“Você confiaria sua carreira a um algoritmo?” A questão, que até pouco tempo parecia retórica, tornou-se concreta após a demissão em massa de cerca de mil bancários do Itaú, grande parte deles em regime de home office. O banco alegou problemas de “produtividade”, mas denúncias de monitoramento digital silencioso e a ausência de diálogo prévio expuseram um dilema que transcende a categoria bancária: os limites entre tecnologia, gestão de pessoas e direitos trabalhistas em um mundo cada vez mais digitalizado.
Minha tese é clara: associar desligamentos coletivos a métricas digitais pouco transparentes ameaça não apenas trajetórias individuais, mas a própria confiança nas relações de trabalho. A seguir, analiso os principais pontos que esse episódio levanta.
O que está em jogo
Segundo o Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região, as demissões ocorreram sem aviso, advertências ou negociação coletiva. A justificativa baseada em vigilância digital de ponto foi classificada como “inaceitável e desproporcional”.
O paradoxo fica evidente nos relatos de ex-funcionários: muitos batiam metas, recebiam promoções e não tinham histórico de baixa performance. Ainda assim, foram desligados abruptamente. Esse tipo de ruptura fragiliza carreiras e coloca em xeque a credibilidade dos sistemas de gestão.
Para CEOs e gestores de RH, o recado é inequívoco: sem transparência e critérios claros, qualquer sistema de monitoramento se transforma em risco reputacional e jurídico.
A fronteira delicada da vigilância digital
Dados recentes mostram que 7 em cada 10 empresas já utilizam algum tipo de tecnologia para monitorar colaboradores em home office. Em contrapartida, 62% dos trabalhadores relatam impactos negativos na saúde mental devido à vigilância excessiva (dados de pesquisas internacionais de 2023 e 2024).
O dilema é evidente: se, por um lado, a digitalização permite acompanhar entregas e eficiência, por outro, abre espaço para arbitrariedades quando não há critérios transparentes. O caso do Itaú ilustra o risco de transformar a análise de dados em um “big brother corporativo”, onde os trabalhadores são avaliados sem clareza sobre métricas e expectativas.
Impactos diretos nas carreiras
Como psicanalista e consultora em saúde mental no trabalho, não posso ignorar o efeito humano desse processo. Trabalhadores com anos de dedicação foram rotulados como “improdutivos” sem direito a defesa. Isso gera marcas profundas em sua empregabilidade futura, autoestima profissional e bem-estar emocional.
Carreiras não podem ser tratadas como descartáveis. Ao agir dessa forma, empresas minam a confiança dos colaboradores que permanecem, alimentando medo, insegurança e desengajamento. A lógica de “descartar pessoas para ganhar eficiência” é um tiro no pé da própria sustentabilidade organizacional.
Desafios e oportunidades para líderes
Esse episódio precisa servir de alerta. A tecnologia pode, e deve, ser aliada na gestão de equipes, mas requer ética, regulamentação e transparência. Algumas diretrizes fundamentais para líderes e gestores:
Critérios claros: definir métricas objetivas e comunicá-las previamente.
Feedback contínuo: substituir a lógica punitiva por acompanhamento e desenvolvimento.
Saúde mental: reconhecer que vigilância excessiva compromete engajamento e produtividade.
Governança: criar políticas que equilibrem inovação tecnológica e responsabilidade social.
O futuro do trabalho remoto dependerá de como as empresas equilibram eficiência com dignidade profissional.
O caso Itaú não é apenas mais uma notícia corporativa: é um marco que deve acender o debate sobre os limites da vigilância digital. Se não houver regulamentação e práticas de gestão mais humanas, veremos cada vez mais carreiras interrompidas de forma abrupta e injusta.
Minha posição é firme: a tecnologia não pode ser utilizada como justificativa para desumanizar o trabalho. A perenidade das empresas dependerá não apenas da eficiência de seus algoritmos, mas da forma como tratam e respeitam as pessoas que produzem seus resultados.
E você, executivo ou líder, já refletiu sobre os limites éticos da vigilância digital na sua empresa? O equilíbrio entre inovação e dignidade profissional será, sem dúvida, um dos maiores desafios da liderança contemporânea.